Iniciativa de delegado reduz a violência em Boa Vista do Ramos

Reincidência de presos caiu 60% nos últimos seis meses, graças a trabalho de Manoel Bastos, nomeado delegado do município.
Os presidiários de Boa Vista dos Ramos encontraram no cultivo de hortaliças e cultos religiosos meios para lutar contra a criminalidade. Foto: DIvulgação
Manaus - Um projeto de ressocialização de presos, implantado há seis meses em Boa Vistado Ramos (distante 271.63 quilômetros de Manaus), está revolucionando o cenário da segurança pública local. Proposta pelo chefe de delegacia Manoel Bastos, 35, nomeado delegado para atender a demanda do município,   a atividade baseada no cultivo de hortaliças e no ensino religioso, já reduziu em 60% o índice de reincidência no sistema prisional da cidade.
Encarcerado pela terceira vez, em maio deste ano, por furto e participando do projeto, desde então, o ex-detento Robson Oliveira, 31, conta que começou a ter a vida restaurada ao escutar os cultos religiosos de sua cela. “Logo que cheguei, pensava que aquilo não era para mim, mas fui ouvindo os cânticos, soube da horta e fui convidado a me integrar”, lembra.
Tatuador de profissão, Robson, que também é dependente químico, afirma que mesmo em liberdade há duas semanas continua cuidando voluntariamente da plantação do presídio para incentivar os colegas, ainda presos, a mudarem de vida.
“Hoje, penso em formar uma família, trazer minhas filhas para perto de mim e plantar em algum pedacinho de terra para garantir meu sustento”, afirma, destacando que não teria mudado de mentalidade e largado as drogas, sem a ajuda do projeto.
Implantado de forma artesanal à base de doações, o ‘Projeto Restaurando Cidadãos’, em funcionamento desde fevereiro deste ano, reflete, segundo o chefe de delegacia,  sua infância no interior do Pará, quando plantava feijão, melancia e milho com o pai e os 11 irmãos.
“Juntei minhas origens de filho de agricultor à necessidade de melhorar a ressocialização dos detentos e estamos conseguindo que eles saiam com uma outra mentalidade da prisão”, afirmou.
Destacado do município de Manaquiri para Boa Vista do Ramos, no final do ano passado, Bastos ressalta que o trabalho dos presos em hortas e a participação em atividades religiosas como forma de remir a pena (quando o preso reduz sua pena ao desempenhar alguma atividade) teve início, em 2010, ainda em Manaquiri.
“Na época, chegamos a vender 70 maços de cheiro verde por dia e a ficar dois anos sem nenhum homicídio no município, devido o projeto”, conta.
Acabar com a ociosidade

Transformada em presídio de forma improvisada, a única delegacia de Boa Vista do Ramos tem capacidade para 12 detentos, mas abriga 21 atualmente.

Com a falta de espaço nas celas e a necessidade de reduzir a ociosidade dentro do local, a área localizada aos fundos do prédio com a ajuda do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Amazonas (Idam) foi preparada para a implantação da horta, atualmente com capacidade de produção de 300 maços mensais.
Agricultura
Coentro, cebolinha, pepino, alface (comprado anteriormente exclusivamente de Manaus e Maués), maxixe, couve, macaxeira, chicória e alfavaca são algumas das culturas que, hoje, estão ajudando 15 presidiários a reescreverem suas histórias através da agricultura.
De acordo com Bastos, a “lida” na horta começa cedo. Baseado em um sistema de revezamento, às 6h, um grupo de cinco a dez presos é acompanhado por um monitor e um guarda municipal até a área de plantio.
 “Às vezes, dois ou três também percorrem conosco as fazendas para buscar o adubo doado pelos produtores da região”, relata, destacando que apesar de mais de 80 presos já terem passado pelo projeto, desde o início da atividade, nunca houve registros de fugas ou rebeliões.
 Apenas dois policiais militares, um escrivão, um guarda municipal, um monitor e o chefe de delegacia são responsáveis pelo presídio e pela horta, que não possui muros ou qualquer outro obstáculo.
Colheita, irrigação, preparo da terra, mudança de cultura, adubação e plantio fazem parte da rotina diária dos que optaram por mudar de vida através do trabalho.
De acordo com o delegado, os crimes de tráfico de drogas e pequenos furtos, motivados pelo uso de drogas, são os que mais ocasionam prisões no município. “É muito grande o número de jovens viciados. A maioria com baixa escolaridade. No máximo têm o Ensino Fundamental incompleto”, afirma ele.
Bastos explica que nenhum dos presos é obrigado a aderir ao projeto, cabendo a cada um decidir se quer participar ou não. A prioridade é dada aos detentos que já estão há pelo menos dois meses na unidade prisional, prazo considerado pelo sistema como necessário para que o mesmo se adapte à nova condição e não fuja no primeiro contato com o ambiente externo.
Mensalmente, uma lista de frequência é enviada ao juiz para garantir que os detentos estão cumprindo o Artigo 126 da Lei de Execução Penal, que versa sobre a remissão de pena. Para cada três dias trabalhados na horta, cada presidiário tem um dia abatido na pena.
Consumo 
Vendas esporádicas e consumo interno figuram entre os dois principais destinos de toda a produção da horta. Segundo Bastos, como a alimentação fornecida pela Secretaria de Justiça do Amazonas (Sejus), mensalmente, está baseada em feijão, charque e embutidos, 30% das verduras e hortaliças cultivadas são consumidos pelos presos.
“Às vezes, enviamos a listagem com o número de presos e, até a comida chegar, já temos mais internos fazendo com que a alimentação não seja suficiente. A horta também vem para suprir esse déficit”, disse.
Além da mudança de mentalidade dos encarcerados, o autor do projeto conta que a iniciativa tem contribuído inclusive para a queda nos preços das verduras e hortaliças na cidade, antes muita caras, devido à pouca oferta.
“Antes, as famílias deixavam de consumir devido ao preço. Hoje, um pé de alface que custava R$ 2 sai pela metade do preço”, comemora.
Além do cultivo de hortaliças, os presos contam ainda com apoio católico e evangélico, através de cultos às segundas, quartas e sextas-feiras, estudo da bíblia e ensaio de cânticos.
 Sem apoio governamental, a não ser o do Idam, Bastos informa que enviou, há dois meses, um ofício à Sejus solicitando auxílio para facilitar a vida dos detentos, mas ainda não obteve resposta.
“Um freezer, um fogão industrial e cadeiras facilitariam muito a montagem de uma cozinha na delegacia. A comida dos presos é preparada pelas famílias em casa porque não temos estrutura”, disse.
A meta do autor do ‘Restaurando Cidadãos’ é ampliar a horta já existente até a área lateral do presídio, uma vez que muitos moradores da cidade demonstram interesse que parentes viciados em drogas, mas não detentos, participem da ação.
"Não podemos formar criminosos profissionais"
Questionado sobre a causa do sucesso do ‘Projeto Restaurando Cidadãos’ frente à visível fragilidade do sistema carcerário do Amazonas, vítima de sete rebeliões e pelo menos três fugas apenas neste ano, o delegado de Boa Vista dos Ramos, Manoel Bastos destacou que os presos do município não têm o mesmo grau de periculosidade que os da capital.
“Cada caso é um caso. Existem presos que vão cometer crimes pela certeza da impunidade e os que caem em um delize. Não podemos permitir que uma pessoa entre na prisão por um delito leve e saia de lá um criminoso profissional”, disse.
Alvo de elogios do secretário de segurança do Estado, Paulo Roberto Vital, em junho deste ano, segundo o chefe de delegacia, o projeto poderia ser implantado sem problemas nos demais presídios do Amazonas.
“Inclusive ele sugeriu isso, quando disse que nunca tivemos fugas ou rebeliões”, contou.
Louvável
De acordo com o secretário-executivo adjunto, major Antônio Norte Filho o projeto implantado em Boa Vista do Ramos, além de “louvável, é apoiado pela Sejus”, com o envio de alimentação, colchões e etc.

 “Este município ainda está a cargo das delegacias, mas a Sejus faz de tudo para auxiliar. Aqui na capital, também temos exemplos dessa ressocialização com presos do semiaberto trabalhando na construção da Arena da Amazônia e outros presídios”, informou.
FONTE: D24am