Casos de fraude no Amazonas mostram fragilidade do Programa Bolsa Família

Os dois últimos casos registrados de irregularidades no Bolsa Família, no interior do Estado, demonstram a fragilidade da fiscalização do programa, que de janeiro a outubro deste movimentou R$ 1,8 bilhão no Amazonas. E dá margem para o desvio de dinheiro público. Um dos casos ocorreu em Boa Vista do Ramos (a 270 Km de Manaus) e foi identificado pelo Centro de Apoio Operacional de Combate ao Crime Organizado (CaoCrimo), órgão do Ministério Público Estadual (MPE). O outro se deu em Boca do Acre (a 1.028 Km de Manaus). Foi descoberto pela Polícia Federal (PF).

Nos dois casos foram identificados cadastros de pessoas ligadas a políticos e empresários locais, que nem de perto possuem os requisitos mínimos para ingressarem no programa, como, por exemplo, renda mensal per capita máxima de R$ 140,00. Juntos, até outubro deste ano, Boa Vista do Ramos e Boca do Acre receberam mais de R$ 24 milhões, para um universo de 7.669 mil famílias.

Sem controle
Em Boa Vista do Ramos, de acordo com o coordenador do CaoCrimo, promotor Fábio Monteiro, as investigações feitas na primeira quinzena de novembro último, constataram que a primeira-dama do município e secretária de Assistência Social, Emanuelle Mota, não realizava qualquer tipo de fiscalização para apurar se os beneficiados se enquadravam no perfil exigido pelo programa.

“Naquele município estava um caos. Nós apuramos e constatamos que existem mais de 2 mil famílias cadastradas. Isso representa aproximadamente 12 mil pessoas recebendo o benefício. Tinha até a filha do vice-prefeito no cadastro. Tudo está no processo. Em depoimento a primeira-dama admitiu que não fazia inspeções. Até a próxima quarta (14), eu darei entrada do processo no Ministério Público Federal (MPF)”, explicou Fábio Monteiro.

Segundo o Censo 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população de Boa Vista do Ramos era de 14.979 pessoas, com média de 5,42 pessoas por domicílio. Relatório do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), até outubro de 2011, aponta que, no município, estavam aptas a receber o Bolsa Família 2.390 famílias. “Já pensou essa situação? Pelo menos 80% da população em extrema pobreza, é o mesmo que admitir que tem uma Somália dentro do município”, disse o promotor.

O CaoCrimo deverá ainda encaminhar processo para o juiz da comarca de Boa Vista do Ramos contra os empresários, secretários municipais e os parentes deles envolvidos no esquema de fraudes. Monteiro disse que em janeiro o MPE começa a visitar os demais municípios para apurar irregularidades. “O primeiro da lista será Coari, em janeiro. De lá vamos para os demais”', informou Monteiro.

 Esquema desvia mais de R$ 120 mil
 Pelo menos 50 pessoas desviaram mais de R$ 120 mil do programa Bolsa Família no município de Boca do Acre nos últimos dois anos, de acordo com informações da Polícia Federal do Acre (PF-AC), que realizou no último mês operação para desarticular uma quadrilha que fraudava o benefício no município amazonense. Entre os suspeitos investigados pela PF estavam empresários, servidores municipais, estaduais, professores, e até pessoas falecidas.

Segundo a assessoria da PF as investigações partiram de denúncias de pessoas com rendimentos de até R$ 30 mil por mês, que recebiam o Bolsa Família. As investigações duraram dois meses e identificaram que os acusados usaram documentos falsos para incluírem crianças e adolescentes como beneficiários, que sequer moravam na mesma casa. De acordo com o secretário de finanças do município, Mauro Carvalho de Oliveira, as pessoas indiciadas pelo esquema eram ligadas à “administração passada”. “Eram todos amigos da ex-secretária, que beneficiava os amigos. A prefeitura já está programada para, em janeiro, fiscalizar o cadastro e procurar irregularidades”, disse.

Prefeitos copiam programa
Promessa de campanha do prefeito Amazonino Mendes (PDT), o programa Bolsa Família Municipal Consorciada (BFMC) possui 67 mil pessoas cadastradas que recebem R$ 60,00, mais o benefício do programa Bolsa Família do Governo Federal.

Para cumpri-la, o ex-governador teve que conseguir R$ 75,6 milhões por ano para o orçamento do município (veja boxe). O acréscimo prometido por Amazonino representa, em média, despesa mensal de R$ 6,63 milhões para os cofres da Prefeitura. Em entrevista ao A CRÍTICA, antes das eleições de 2008, Amazonino disse que pretendia levantar esses recursos com a redução do número de secretarias municipais e de cargos comissionados.

 Na esteira do programa, Amazonino implantou ainda o Bolsa Universidade, que oferece bolsas de estudos em faculdades particulares a estudantes que comprovarem baixa renda, e em 2011 foi colocado em prática o programa 'Leite do Meu Filho', que distribui latas de leite para mães carentes de Manaus.

Pela legislação eleitoral os prefeitos e governadores são proibidos de implantar programas de cunho assistencialistas em ano eleitoral. Contrariando essa determinação e, apesar das irregularidades encontradas pelo Ministério Público Estadual (MPE) no município de Boa Vista do Ramos no programa Bolsa Família, o prefeito da cidade, Elmir Mota (PSC), disse que pretende criar também o 'Bolsa Família Boavistense' a partir de março de 2012.

Gestor de um dos municípios mais pobres do Amazonas, Mota disse que a prefeitura vai bancar os R$ 50 mil mensais do auxílio com recursos próprios. O prefeito afirmou que pretende atender 500 famílias na sede do município e 500 na zona rural. A diferença da versão boavistense para o Bolsa Família é que ele não deverá atender quem já recebe do programa federal. “É direcionado para agricultores. Não pode ser aposentado. E as crianças vão ter de registrar assiduidade na escola, manter em dia a vacinação”, declarou o prefeito do município que sobrevive exclusivamente de repasses constitucionais.

Fonte: Acrítica